A morte de quase cem presos em cadeias do Amazonas, Roraima e
Alagoas no início do ano é mais um degrau na escalada de violência que o
país vem atravessando nos últimos anos. Crimes violentos cresceram na
maior parte dos estados entre 2005 e 2015, segundo dados oficiais
compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa de
homicídios dolosos por 100 mil habitantes aumentou em 20 estados nesse
período, enquanto o número de latrocínios ficou maior em 18.
Com
território continental e realidades socioeconômicas muito diferentes, o
Brasil teve um crescimento de 14,22% no número de assassinatos nesse
período. Se, por um lado, a queda dos homicídios em estados populosos
como São Paulo e Rio de Janeiro pode ter puxado a média para baixo, o
índice de mortes mais do que dobrou em três unidades da federação no
Norte e Nordeste: Amazonas, Ceará e Maranhão. Em Alagoas, que teve
crescimento de 36,54%, a taxa de assassinatos, de 49 mortos para cada
100 mil pessoas, é comparável à da Venezuela, segundo país que mais mata
nas Américas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O
primeiro é Honduras, com 103 mortes por 100 mil habitantes.
Na
Paraíba, a taxa de homicídio por 100 mil habitantes cresceu quase 100%
em 10 anos. Infográfico publicado pelo Globo mostra que em 2005 a taxa
de homicídio era de 18,16 a cada 100 mil habitantes, passando para 35,40
no ano de 2015.
O aumento no número de crimes violentos no
Brasil foi constatado a partir de levantamento feito pelo Globo nas dez
edições do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A última versão do
estudo, lançada em outubro pelo Fórum, apresenta dados consolidados de
ocorrências de 2015. A publicação utiliza duas fontes para contabilizar
os crimes violentos: os registros criminais fornecidos por cada estado
por meio da Lei de Acesso à Informação e os dados disponíveis no Sistema
de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Os
pesquisadores fazem a ressalva de que as estatísticas compartilhadas
pelos estados são mais confiáveis hoje do que há dez anos, embora isso,
sozinho, não explique por que os registros de violência cresceram tanto.
—
De um modo geral, a violência aumentou no Brasil nos últimos anos. Em
alguns estados do Norte e do Nordeste podemos ver que há um pico no
número de mortes, embora isso não seja exclusividade dessa região —
afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum. — Mas a pergunta de um
milhão de dólares é: por que a violência cresceu em um momento em que o
Brasil avançou em indicadores sociais e reduziu a pobreza? O senso
comum diria que a criminalidade deveria cair quando a economia melhora,
mas não foi isso o que aconteceu.
Palco de 67 assassinatos de presos
motivados por brigas entre facções criminosas nos primeiros dias do ano,
o Amazonas registrou crescimento de 107% no número de casos na década
analisada pelos anuários do Fórum, atingindo uma taxa de 32,4 homicídios
por cada grupo de 100 mil habitantes em 2015.
Em outros nove
estados do Norte e Nordeste, o aumento variou entre 20% e 97%. Embora
Piauí e Sergipe não tenham fornecido ao Fórum, em 2015, o número de
casos de homicídios, como fizeram dez anos antes, é possível constatar
que a violência nesses estados também cresceu por meio da análise do
número total de pessoas assassinadas.
Uma série de fatores pode
ajudar a explicar a escalada de violência, segundo pesquisadores
consultados pelo GLOBO. Em um estudo recente sobre a explosão de crimes
no Norte e Nordeste, por exemplo, o pesquisador Tulio Kahn, que já
trabalhou com estatísticas criminais no Ministério da Justiça e no
governo do estado de São Paulo, escreveu que o processo de crescimento
nessas regiões “aglutinou, no entorno dos grandes centros, uma massa de
população urbana que convive com riqueza e abundância, beneficia-se
parcialmente dela, mas que não se integrou nem tem meios de se integrar
aos mercados sofisticados de produção e consumo dos pólos desenvolvidos
destas cidades.”
Além do crescimento desordenado de regiões
metropolitanas, as causas para o aumento de crimes violentos passa pelo
alto número de armas em circulação, fácil acesso a drogas,
fortalecimento do crime organizado, falta de estrutura adequada para
investigar e punir os criminosos e dinâmicas próprias de cada região.
No
Ceará, onde o crescimento na taxa de homicídio foi o maior do país, a
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social informou que em 2016 o
número de mortes violentas intencionais recuou 15,2% graças a ações
integradas entre Executivo, Justiça, polícia e sociedade civil em um
programa que recebeu o nome de “Pacto Ceará Pacífico”. As estatísticas
do ano passado só entrarão na próxima edição do Anuário Brasileiro de
Segurança. “No âmbito do Pacto, ações intersetoriais são desenvolvidas,
como melhorias em espaços públicos, escolas, iluminação pública, entre
outras”, disse a pasta.
Exceção no Nordeste, Pernambuco também
credita a um programa de ações intersetoriais a redução em 9% no número
de assassinatos por 100 mil habitantes entre 2005 e 2015. Criado em
2007, o “Pacto pela Vida” reduziu em 13% a taxa de crimes violentos
letais intencionais que, além dos homicídios, inclui latrocínios, mortes
causadas por policiais e lesões corporais seguidas de morte. “Desde o
início do Pacto pela Vida, mais de 11.000 vidas foram salvas. O programa
visa principalmente à prevenção de homicídios, mas não apenas isso,
pois também cuida de um conjunto de crimes que despertam insegurança na
população”, afirma a Secretaria de Planejamento, responsável pelo
acompanhamento do projeto.
Para o cientista político Guaracy
Mingardi, embora sejam relevantes para combater a violência, esses
programas não são suficientes para resolver o problema. O pesquisador
defende mudanças estruturais na polícia e na Justiça:
— Em geral,
nós fazemos programas para combater a violência, mas não mexemos de
fato na estrutura. Tem uma coisa que funciona no mundo inteiro que é o
seguinte: o sujeito tem que ter uma razoável certeza de que vai se dar
mal se cometer um crime. Mas, para isso, temos que ter uma polícia que
investiga e prende bem; um Judiciário que julga rápido e de forma
eficiente; e um sistema penitenciário que não devolva o condenado para a
sociedade ainda pior do que ele era quando chegou na cadeia.
Na
opinião de Mingardi, a crise de segurança pública que o Brasil vive
atualmente é mais uma prova de que as respostas que o Estado dá para
combater a criminalidade não estão sendo satisfatórias. Por isso,
segundo ele, sem mudanças radicais não é possível que os resultados
melhorem. Ele cita o exemplo de estados em que programas contra a
violência foram interrompidos devido a seus custos, o que fez com que a
criminalidade voltasse a subir.
UPP AJUDOU REDUÇÃO NO RIO
No
Rio de Janeiro, muitos pesquisadores apontam o sucesso das Unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs) como um dos principais fatores para a
redução da criminalidade. Com a crise no programa, os índices voltaram a
subir. Em estatísticas divulgadas em novembro, o número de
assassinatos, latrocínios e mortes causadas por policiais já era 17%
maior do que no ano anterior — tendência que ainda não tinha sido
observada no Anuário da Violência de 2016.
— Não adianta achar
que no Brasil inteiro as pessoas se matam pelos mesmos motivos. E também
é difícil saber o que faz os crimes reduzirem. Em São Paulo, as taxas
de homicídio estão caindo desde 2000. Já participei de um encontro com
18 pesquisadores em que saíram 16 explicações diferentes: apreensão de
armas, redução do número de jovens, maior participação das prefeituras
em questões de segurança, ações das polícias. Há até quem defenda que o
crescimento do PCC impactou nisso pois houve menos briga pelo tráfico de
drogas, o que acho um pouco superestimado — diz Mingardi.